Polícia Federal desarticula associação de proteção veicular que lucrava R$ 500 mi por ano
Reportagem publicada nesta terça, 27, no portal Metrópoles, mostra que a Polícia Federal (PF) deflagrou a terceira fase da Operação Seguro Fake, com o objetivo de desarticular empresas que exploram ilegalmente o mercado de seguros, sob a indevida denominação de associações de proteção veicular.
A matéria, assinada por Mirelle Pinheiro e Carlos Carone, ressalta que o modelo associativo não permite a venda de seguros, segundo a lei brasileira. De acordo com o texto, foram cumpridos cinco mandados de busca e apreensão — três na região da Pampulha, em Belo Horizonte; um em condomínio de luxo em Lagoa Santa; e outro na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.
Todos os mandados são contra a mesma empresa, famosa no mercado ilegal de seguros, e foram expedidos pela 3ª Vara Federal Criminal da Justiça Federal em Belo Horizonte. Um desses mandados foi cumprido na sede da empresa, localizada no Bairro São Luiz, onde foram apreendidos computadores, planilhas e outros documentos.
A matéria ressalta que, segundo a PF, a associação é uma das maiores do Brasil e atua na venda ilegal de seguros em todas as unidades federativas do país. Estima-se que o grupo, comandado por um casal de Belo Horizonte, tenha mais de 100 mil clientes e cerca de 500 funcionários. Segundo o G1, a empresa investigada é a APVS Brasil. A PF, no entanto, não divulgou nomes dos suspeitos.
No texto os repórteres mostram que a corporação constatou que vários clientes dessa empresa, indevidamente chamados de “associados”, não obtiveram indenizações quando da ocorrência de sinistros com seus veículos.
A empresa possui centenas de queixas no Procon e em sites de reclamações de consumidores. Grande parte dos relatos mencionam o não pagamento de indenização por perda total, a péssima qualidade das oficinas credenciadas, a não permissão de uso do serviço de reboque, a não cobertura em veículos de terceiros, entre outros.
LAVAGEM DE DINHEIRO – O texto do Metrópoles mostra ainda que a PF ressalta que os donos dessa associação de seguro ilegal montaram um grande esquema de lavagem de dinheiro, com o objetivo de direcionar parte dos valores do rateio pago pelos “associados” para eles mesmos.
“Conforme as investigações, essa arquitetura criminosa tem sido copiada e replicada por todas essas associações que comercializam seguro falso. Parte do dinheiro pago pelos clientes é destinada aos bolsos dos donos da associação”, continua o texto.
A reportagem diz que a estimativa é que o faturamento seja de mais de R$ 500 milhões por ano. Como uma “associação” não pode distribuir lucro a seus diretores, os donos dessa de proteção veicular constituíram várias outras empresas-satélites que gravitam em torno dela. Assim, o dinheiro era repassado para essas empresas como forma de pagamento de serviços, tais como assistência 24 horas, reboque, rastreadores, oficinas, entre outros. A forma de dissimular distribuição de lucros é, na visão da Polícia Federal, um indício de lavagem de dinheiro.
Confira mais um trecho da matéria do portal Metrópoles, na íntegra:
“Os diretores e seus “laranjas” nas empresas-satélites foram indiciados pelos crimes de lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, crime contra as relações de consumo e por fazer operar instituição financeira sem autorização estatal. As penas cumuladas podem ultrapassar os 20 anos de prisão.
Nas diligências desta terça, carros, motos, documentos e celulares foram apreendidos. O inquérito policial será finalizado e seguirá para o Ministério Público Federal, para oferta de denúncia na Justiça Federal em Belo Horizonte.
ENTENDA – Essas “associações” são lucrativas empresas que se tornaram comuns nos últimos anos. Elas atuam na ilegalidade por não terem autorização do Estado para comercializarem seguro automotivo. A comercialização de seguros no Brasil deve ser autorizada pela Superintendência de Seguros Privados (Susep). Todavia, essas associações não possuem essa autorização, razão pela qual a Susep tem entrado com dezenas de ações civis públicas buscando barrar essa prática ilegal, que tem se multiplicado principalmente no estado de Minas Gerais.
O esquema de lavagem de capitais desarticulado nesta terça é muito comum neste tipo de associação. Segundo a legislação civil brasileira, as associações não podem repartir lucros. Logo, os donos dessas associações, verdadeiros empresários, criam empresas que orbitam em torno da associação com a finalidade de prestação de serviços a essa. A associação paga os serviços prestados a elas — que, na verdade, são de propriedade do próprio corpo diretivo da associação. E, assim, eles podem repartir o lucro da associação,
As associações, independentemente do objeto de sua atuação, são isentas do recolhimento de Imposto de Renda e da Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL), desde que cumpram as regras legais estipuladas. Porém, essa dispensa de pagamento de tributos conferida às associações pelo poder público abrange apenas aquelas que operam sem fins lucrativos, tais como associações de bairro, de categorias profissionais, clubes recreativos, entre outras.
Vários consumidores optam pela contratação dessas organizações pelo fato de os preços serem mais baixos do que os das seguradoras tradicionais. Entretanto, quando é preciso utilizar os serviços da cobertura veicular, surgem as surpresas. As oficinas são de má qualidade, não há indenização de certos danos, encontra-se dificuldade em receber os valores e, pior: quando acionado o Procon ou os Juizados Especiais, descobre-se que esses associados não são considerados consumidores pela lei brasileira e ficam numa situação de completo desamparo.
O Procon da Assembleia de Minas Gerais tem feito diversos alertas nesse sentido também. O grande perigo é que, ao assinar um contrato de responsabilidade mútua, o cliente torna-se um associado e passa a dividir o risco com os demais membros da associação. É um seguro sem qualquer respaldo jurídico, de empresas que não são fiscalizadas pela Susep e não têm reserva técnica. Não se sabe como está a higidez financeira dessas associações, nem se há dinheiro para pagar a cobertura prometida, não há qualquer fiscalização estatal. É muito comum que a associação simplesmente desapareça na hora que o cidadão necessite usar a cobertura.
Em maio de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucionais leis estaduais que permitiam as Associações de Proteção Veicular (APVs).
A Polícia Federal orienta aos clientes dessas associações que busquem informações sobre o que contrataram e, se possível, fiquem atentos ao fechamento dessas empresas para evitar prejuízos e insegurança.”